sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Livro 19: A amiga genial, de Elena Ferrante


Sinopse:
"A Série Napolitana, formada por quatro romances, conta a história de duas amigas ao longo de suas vidas. O primeiro, A amiga genial, é narrado por Elena Greco e cobre da infância aos 16 anos. As meninas se conhecem em uma vizinhança pobre de Nápoles, na década de 1950. Elena, a menina mais inteligente da turma, tem sua vida transformada quando a família do sapateiro Cerullo chega ao bairro e Raffaella, uma criança magra, mal comportada e selvagem, se torna o centro das atenções. Essa menina, tão diferente de Elena, exerce uma atração irresistível sobre ela.

As duas se unem, competem, brigam, fazem planos. Em um bairro marcado pela violência, pelos gritos e agressões dos adultos e pelo medo constante, as meninas sonham com um futuro melhor. Ir embora, conhecer o mundo, escrever livros. Os estudos parecem a melhor opção para que as duas não terminem como suas mães entristecidas pela pobreza, cansadas, cheias de filhos. No entanto, quando as duas terminam a quinta série, a família Greco decide apoiar os estudos de Elena, enquanto os Cerrulo não investem na educação de Raffaella. As duas seguem caminhos diferentes.


Mais que um romance sobre a intensidade e complexa dinâmica da amizade feminina, Ferrante aborda as mudanças na Itália no pós-guerra e as transformações pelas quais as vidas das mulheres passaram durante a segunda metade do século XX. Sua prosa clara e fluída evoca o sentimento de descoberta que povoa a infância e cria uma tensão que captura o leitor".


Sobre a autora (tradução livre):
"Elena Ferrante nasceu em Nápoles. É autora de Os dias do abandono, Troubling love, e The lost daughter. Sua Série Napolitana inclui A amiga genial, The story of a new name, Those who leave and those who stay e The story of the lost child, quarto e último volume da série".


Uma pequena propaganda:

Li A amiga genial para o clube Leia Mulheres de agosto. 

Como sempre, recomendo o clube. Não, não estão me pagando pra isso. É de coração e por livre e espontânea vontade que o faço.

As mulheres ainda possuem um espaço muito limitado dentro do mundo da literatura. Basta apenas você comparar quantos livros escritos por homens e quantos por mulheres foram publicados nos últimos anos. Ou pensar nos autores clássicos, quantos são homens e quantas são mulheres?

A importância de um clube como o Leia Mulheres é incentivar a leitura de autoras mulheres. Nesse mês, mais ainda por se tratar de Toni Morrison, uma autora negra.

Então deixo aqui, como sempre, a recomendação.

O livro desse mês é Jazz.



Minha opinião:

A amiga genial é um livro tão denso que encontro dificuldades para falar sobre ele.

O maior talento de Ferrante, na minha opinião, está na construção de personagens. Ela os cria de maneira tão verossímil que a sensação é a de que podemos cruzar com qualquer um deles na esquina. E olha que são muitos personagens.

Para provar isso, coloco aqui três páginas apenas com nomes de personagens:





A autora possui domínio sobre a história e orquestra fatos, personagens e cenários com harmonia.

O livro trata da infância e da adolescência das duas personagens principais. Ao acompanhar esse período, a narrativa trata de diversos assuntos, É o caso da desigualdade social nesse trecho em que Elena e seus amigos vão visitar um bairro rico:

"Foi como atravessar uma fronteira. Lembro-me de uma calçada lotada e de algo como uma humilhante diversidade. Não olhava os rapazes, mas as garotas, as senhoras: eram absolutamente diferentes de nós. Pareciam ter respirado outro ar, ter comido outro alimento, estar vestidas como em outro planeta, ter aprendido a andar sobre fios de vento. Eu estava boquiaberta. Tanto mais que, enquanto eu teria parado para olhar com calma as roupas, os sapatos, o tipo de óculos que usavam, se usavam, elas passavam e pareciam não me ver. Não viam nenhum de nós cinco. Éramos imperceptíveis. Ou desinteressantes. Aliás, se às vezes o olhar recaía sobre nós, logo os viravam para outro lado, como enfastiadas. Só se olhavam entre si.

Todos nós percebemos isso. Ninguém tocou no assunto, mas notamos que Rino e Pasquale, mais velhos, só tiveram naquelas ruas a confirmação de coisas que já sabiam, e isso os deixava de mau humor, taciturnos, espicaçados pela certeza de estarem fora de lugar, ao passo que nós, meninas, só o descobrimos naquele momento, e com sentimentos ambíguos. Sentimo-nos incomodadas e encantadas, feias, mas também impelidas a nos imaginar como nos tornaríamos se tivéssemos tido meios de nos reeducar e vestir e maquiar e enfeitar como se deve. Entretanto, para não estragar a noite, reagíamos com risadas e ironias" (páginas 187 e 188)


Elena tem a possibilidade de estudar em um liceu clássico e superar um pouco dessa desigualdade por meio do conhecimento. Entretanto, ela acaba se distanciando do mundo de seus amigos e não entende mais qual o seu lugar. Como fica evidente no trecho:

"Foi durante aquele percurso rumo à rua Orazio que comecei a me sentir claramente uma estranha, infeliz por meu próprio estranhamento. Eu tinha crescido com aqueles rapazes, considerava seu comportamento normal, a língua violenta deles era a minha. Mas seguia cotidianamente, já há seis anos, um percurso que eles ignoravam por completo, e que eu, ao contrário, trilhava de modo tão brilhante que chegava a ser a melhor. Com eles eu não podia usar nada daquilo que aprendia diariamente, tinha que me conter, de alguma maneira me autodegradar. O que eu era na escola, ali era obrigada a colocá-lo entre parêntesis ou a usá-lo à traição, para intimidá-los. Me perguntei o que estava fazendo naquele carro. Ali estavam meus amigos, certo, ali estava meu namorado, estávamos indo à festa de casamento de Lila. Mas justamente aquela festa ratificava que Lila, a única pessoa que eu sentia ainda necessária malgrado nossas vidas divergentes, não nos pertencia mais, e, com sua retirada, toda mediação entre mim e aqueles jovens, aquele carro correndo por aquelas ruas, se exaurira". (página 320)


Outras temas são tratados, como abuso sexual. Fica aqui o trigger warning.

Não sei o que falar, apenas sentir. Por isso, vou deixar aqui embaixo a resenha da Michelle Henriques sobre o livro. Leiam.

Outras resenhas:
A amiga genial, por Michelle Henriques