sexta-feira, 28 de novembro de 2014

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Se ele quisesse

“Nossa se você quisesse, conseguiria estuprar uma menina”, disse minha amiga para ele.
Ele estava em cima dela, prendendo-a. Ambos sobre uma cama.
Tudo começara inocentemente. Eu e minha amiga decidimos fazer uma visita ao meu vizinho, o supracitado ele, que era nosso amigo. Nós três fomos assistir televisão no quarto dele, deitados na cama.
Já era madrugada quando os dois começaram a brincar: ele prendia, ela tentava se soltar. Eu adormeci do outro lado da cama, entediada.
Acordava alguma vezes. Os dois continuavam na mesma brincadeira, rindo. E voltava a dormir.
Quando acordei decidida a ir embora, não havia mais risadas da parte dela. Minha amiga tentava se soltar de verdade enquanto ele ria mais ao ver seu desespero. Nesse contexto, ela disse a frase do início. O vizinho apenas soltou quando eu disse que nós duas precisávamos ir embora, não sem um pouco de resistência.
Naquela época (devia ter apenas doze anos), não liguei muito para o que tinha acontecido. Tinha sido só uma noite uma noite entediante na casa de um amigo, na qual eu passei a maior parte do tempo dormindo ou desejando ir fazer isso na minha casa.
Hoje, eu sei que teria reagido diferente. Aquela cena era a síntese do que eu encontraria sendo mulher. Bastava ele querer. E a vontade dele sobressairia em praticamente tudo.
Também sei que essa amiga até hoje não percebeu e riria se eu dissesse o que penso para ela. É exatamente por isso que sinto que devo dizer, até que parem de rir e ouçam: não foi uma brincadeira inocente. Minha amiga quis parar. A partir do momento que o vizinho não parou (e ainda riu disso!), se tornou agressão. Uma “agressãozinha” vestida de brincadeira, dessas que a gente recebe a conta-gotas até aprender a rir quando encontra ou vive uma. A mesma que me ensinou a rir porque ele quis.

Agora eu estou aqui dizendo: foi agressão. Dizendo na esperança de que isso deixe de ser tratado como algo banal e risível. Não é.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Da importância de ouvir

Todos possuem mazelas, medos, inseguranças, neuras e defeitos. Cada pessoa é extremamente frágil (e possivelmente solitária). E talvez seja isso o que nos una: nossa fragilidade.

Ando pensando muito sobre empatia. Mais do que isso, ando pensando muito sobre a necessidade de ouvir.

Eduardo Coutinho (nesse documentário aqui) disse: "Ser ouvido é uma das necessidades mais importantes do ser humano. Ser ouvido é ser legitimado".

Sempre gastei uma energia considerável com a frustração de não me sentir ouvida. Só que percebi que isso está longe de acontecer apenas comigo. E que eu, muitas vezes, não paro para ouvir o próximo.

Quantas pessoas ao redor não têm histórias precisando ser contadas? Quantas não precisam se legitimar nessa coisa solitária e difícil que se chama viver?

Coutinho segue questionando: "Mas quem está preocupado em legitimar o outro?".

Essa é a principal questão. Se todos estão preocupados em serem ouvidos para se legitimarem, quem vai parar para ouvir o outro?

Lógico que é impossível para mim conseguir ouvir todos o tempo inteiro (até porque também sou ser humano e preciso ser ouvida). Só que se cada pessoa percebesse isso e parasse um pouco por dia para ouvir, seria possível todos terem suas falas escutadas. Porque falar de si, todos já sabem muito bem. O difícil é realmente escutar.

Então nós precisamos apenas calar um pouco nossas bocas egocêntricas para dar espaço para que aquele outro ser humano frágil possa não apenas falar, mas ser ouvido.

Por isso, lanço o desafio: escute verdadeiramente alguém hoje.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Reflexões prematuras

Os enfeites de Natal prematuros anteciparam minhas reflexões de final de ano.
Em 2014, sinto que fui três Lídias (uma para cada corte de cabelo). Mas parece que sempre existe uma Lídia essência que me acompanha, em maior ou menor intensidade, não importa o quanto mude.

Deixo aqui um trecho de Ciranda de Pedra, da diva Lygia Fagundes Telles, que acabei lembrando ao pensar na Lídia essência:

"Chegara a pensar que Otávia estava certa, devia ser fácil desfazer-se também das sucessivas Virgínias nas quais se desdobrara desde a infância, desfazer-se da menininha, principalmente da menininha de unhas roídas, andando na ponta dos pés. Agarrar-se só ao presente, nua de lembranças como se acabasse de nascer. Via agora que jamais poderia se libertar das suas antigas faces, impossível negá-las porque tinha qualquer coisa de comum que permanecia no fundo de cada uma delas, qualquer coisas que era como uma misteriosa unidade ligando umas às outras, sucessivamente, até chegar à face atual".