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sexta-feira, 20 de março de 2015

Livro 6: Persépolis, de Marjane Satrapi




Sinopse (tirei do site da Companhia das Letras):
"Marjane Satrapi tinha apenas dez anos quando se viu obrigada a usar o véu islâmico, numa sala de aula só de meninas. Nascida numa família moderna e politizada, em 1979 ela assistiu ao início da revolução que lançou o Irã nas trevas do regime xiita - apenas mais um capítulo nos muitos séculos de opressão do povo persa.
Vinte e cinco anos depois, com os olhos da menina que foi e a consciência política à flor da pele da adulta em que se transformou, Marjane emocionou leitores de todo o mundo com essa autobiografia em quadrinhos, que só na França vendeu mais de 400 mil exemplares.
Em Persépolis, o pop encontra o épico, o oriente toca o ocidente, o humor se infiltra no drama - e o Irã parece muito mais próximo do que poderíamos suspeitar".

Sobre a autora (também do site da Companhia):
"Nasceu em Rasht, no Irã, em 1969, e atualmente vive em Paris. Estudou no liceu francês de Teerã, onde passou a infância. Bisneta de um imperador do país, teve uma educação que combinou a tradição da cultura persa com valores ocidentais e de esquerda. Aos catorze anos, partiu para o exílio na Áustria, e depois retornou ao Irã a fim de estudar belas-artes. Estabelecida na França como autora e escritora, Marjane ainda voltou à narrativa de memórias no livro Frango com ameixas, baseado em relatos de seu avô. Em 2007, Persépolis foi transformado num longa-metragem de animação, que estreou no festival de Cannes".

Cena do filme homônimo


Minha opinião:

No início, Persépolis me fez pensar em outras duas obras: O diário de Anne Frank e O diário de Zlata. As três são autobiografias de meninas passando por situações críticas. Anne Frank enfrentou o Holocausto; Zlata, a guerra na ex-Iugoslávia. Entretanto, o relato das duas não passa da infância (o que no caso da Anne Frank é triste, pois ela não continuou o diário porque foi mandada para um campo de concentração e morreu). Persépolis, por outro lado, acompanha Marjane Satrapi da infância à vida adulta.

Essa introdução é apenas um pensamento aleatório que tive ao ler a HQ. Não farei nenhuma conexão inovadora entre as três obras.

Imagino você, leitor, constatando que esse texto é inútil e voltando para o site anterior. Pense que já existem coisas úteis demais no mundo e que pode ser legal ler pensamentos aleatórios que não pretendem ter nenhuma utilidade. Mas se for imprescindível que essa introdução tenha algum motivo para existir, pense que são mais duas indicações de livros escritos por mulheres, ainda que eu não vá fazer um post sobre eles.

O pano de fundo de Persépolis é complexo. O Irã estava sob o governo do xá. Em 1979, ocorre a Revolução Iraniana. O país afundou em um regime islâmico extremamente opressor. Pouco depois, uma guerra sangrenta contra o Iraque teve início.

No meio de tudo isso, está a protagonista (que é também a autora do livro, Marjane Satrapi). Ela passa por coisas terríveis, como ver seu tio favorito ser preso e executado. Além disso, ela precisa lidar com a intensa fiscalização dos guardiões sobre seu modo de agir e vestir.

O que mais me interessou nessa HQ foi a maneira como Marjane consegue contar essa história passada em um tempo tão difícil de maneira muito sensível e até divertida em algumas partes. É possível se distanciar do estereótipo vendido pelo ocidente do Oriente Médio e enxergar como os iranianos sofreram com a guerra, tiveram a esperança de um regime pós-Revolução melhor desfeita e resistiram à sua maneira ao que não concordavam no novo regime.

Persépolis é único e encantador. Eu recomendo fortemente (mesmo) a leitura.


Ah, e tem o filme também:



Resenhas legais:
Resenha: Persépolis, do blog Resumo da ópera


sexta-feira, 13 de março de 2015

Livro 5: O sonho da Sultana, de Roquia Sakhawat Hussain


"Há mais de um século, uma mulher se permitiu imaginar um mundo diferente. Nesta obra que inaugurou o subgênero de Ficção Científica feminista. e é pela primeira vez traduzida para o português, a autora Roquia Sakhawat Hussain levanta questões relacionadas aos papéis de gênero em sua sociedade e mostra a importância do direito das mulheres à educação".

Sobre a autora (do Momentum Saga):
"Roquia foi uma ativista dos direitos das mulheres, escritora, ensaísta, poeta e professora. Nacida em 9 de dezembro de 1880 no que hoje é o distrito de Rangpur, em Bangladesh, foi uma das mulheres mais notáveis de seu tempo. Nascida em uma família abastada e instruída, foi desde cedo incentivada a estudar e a escrever, em especial por seu marido, com quem se casou aos 16 anos. Escrevendo em bengali, o idioma comum e das camadas mais baixas da população, Roquia conseguiu levar palavras como emancipação e direitos para mulheres muçulmanas oprimidas pelos maridos, pela família e pela religião.
Ela criticava abertamente a distorção causada no Islã. Para ela, se as mulheres tivessem o direito de seguir a profissão que quisessem e se tivessem liberdade, elas exaltariam a verdadeira palavra de Alá. Roquia entendia que a opressão era fruto da divisão desigual do trabalho e de um Islã corrompido por provincialismos e conservadorismo excessivo da sociedade patriarcal. Fundou uma associação para mulheres muçulmanas e também uma escola para meninas, em Kolkata (antiga Calcutá), que funciona até hoje. Na Universidade de Daca, em Bangladesh, existe uma estátua em sua homenagem e a data de seu aniversário e morte é celebrado como o Dia de Roquia".  

Minha opinião:
Eu já tentei escrever sobre O Sonho da Sultana umas trinta vezes. Em todas, acabei apagando tudo. Por um motivo: esse conto é uma Ficção Científica e eu não sei quase nada sobre esse gênero. Então não espere grandes comentários sobre as tecnologias presentes na história.

A proposta de Roquia é inverter os papeis de gênero de forma a questioná-los (o oposto de coisas como Se eu fosse você). 

Parêntesis aleatório: 
Eu lembrei daquele curta Majorité Opprimée (Maioria oprimida):

(TW: estupro)


Voltando ao conto:
Roquia escreveu O Sonho da Sultana em 1905. Incrível (e triste) como esse texto continua atual. Mais de cem anos depois, mulheres islâmicas ainda vivem sob a purdah e encontram dificuldades para ter acesso à educação (só lembrar dos casos recentes de Malala Yousafzai e das estudantes nigerianas sequestradas pelo Boko Haram). Se em 2015 uma menina é baleada por acreditar que mulheres têm direito a estudar, imagina a ousadia que representava em 1905 esse conto. Nele, as mulheres não só podem estudar como venceram uma guerra com suas invenções. Elas aprenderam a manipular a energia solar de forma a utilizá-la até em carros voadores. E outras tantas coisas sensacionais.

A história também dialoga com nós, mulheres ocidentais, na medida em que ainda somos sutilmente desencorajadas a seguir carreiras científicas. Nesse conto, as mulheres cientistas salvam o país.

O sonho da Sultana pode ser baixado gratuitamente no site do Universo Desconstruído. Também está disponível uma versão impressa no site do Clube de Autores.


Eu sempre costumo ler resenhas de outras pessoas quando termino uma leitura. Decidi que vou compartilhar as que eu achar interessantes. Por isso, estou abrindo um nova seção nos posts.

Resenhas legais:
[Aline Valek foi uma das responsáveis pelo projeto de traduzir o conto pela primeira vez para o português e pela capa do ebook]

[essa segunda resenha é legal porque a autora trata de aspectos mais técnicos do livro, como o fato das abundantes chuvas na região de Bangladesh terem influenciado o conto]

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Livro 4: Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie


Sinopse (do site da Companhia das Letras):
"Lagos, anos 1990. Enquanto Ifemelu e Obinze vivem o idílio do primeiro amor, a Nigéria enfrenta tempos sombrios sob um governo militar. Em busca de alternativas às universidades nacionais, paralisadas por sucessivas greves, a jovem Ifemelu muda-se para os Estados Unidos. Ao mesmo tempo que se destaca no meio acadêmico, ela depara pela primeira vez com a questão racial e com as agruras da vida de imigrante, mulher e negra. 

Quinze anos mais tarde, Ifemelu é uma blogueira aclamada nos Estados Unidos, mas o tempo e o sucesso não atenuaram o apego à sua terra natal, tampouco anularam sua ligação com Obinze. Quando ela volta para a Nigéria, terá de encontrar seu lugar num país muito diferente do que deixou e na vida de seu companheiro de adolescência. 

Principal autora nigeriana de sua geração e uma das mais destacadas da cena literária internacional, Chimamanda Ngozi Adichie parte de uma história de amor para debater questões prementes e universais como imigração, preconceito racial e desigualdade de gênero. Bem-humorado, sagaz e implacável, 'Americanah' é, além de seu romance mais arrebatador, um épico contemporâneo".

Sobre a autora:
"Chimamanda Ngozi Adichie nasceu em Enugu, na Nigéria, em 1977. É autora dos romances 'Meio sol amarelo' (2008) - vencedor do Orange Prize, adaptado para o cinema em 2013 - e 'Hibisco roxo' (2011), ambos publicados no Brasil pela Companhia das Letras. Assina ainda uma coleção de contos, 'The Thing Around Your Neck' (2009). Sua obra foi traduzida para mais de trinta línguas e apareceu em inúmeros periódicos, como as revistas New Yorker e Granta. Depois de ter recebido uma bolsa da MacArthur Foundation, Chimamanda vive entre a Nigéria e os Estados Unidos. Sua célebre conferência no TED [que deu origem ao e-book, disponível de forma gratuita, Sejamos todos feministas] já teve mais de 1 milhão de visualizações". Um trecho de seu discurso nessa conferência foi incluída na música Flawless de Beyoncé.

Minha opinião:
Tenho procurado ler cada vez mais textos sobre racismo escritos por negros. Por um motivo bem óbvio (ainda que algumas pessoas pareçam não entender): eles sofrem na pele. Acredito que ler o que eles têm a dizer seja o primeiro passo para criar empatia e desconstruir ideias, que geram atitudes, racistas arraigadas em mim. Calar minha boca privilegiada e ouvir essas pessoas que sofrem discriminação diariamente está me permitindo ver o mundo além de minha cegueira branca (conhecida por alguns como "Ai, mas racismo não existe mais. Tudo vitimismo e baixa autoestima").

Se algum leitor quiser fazer o mesmo e fugir da cegueira, sugiro, para começar, as Blogueiras Negras e os textos da Djamila Ribeiro no Escritório Feminista.

Americanah entrou no meu projeto de leitura dentro dessa proposta. O livro conta a história de Ifemelu e Obinze. Os dois se apaixonam na época do colégio e namoram durante alguns anos. Até que problemas em seu país, a Nigéria, os levam a seguir por caminhos diferentes.

(os próximos parágrafos podem conter spoilers leves)
Devido às infindáveis greves das universidades nigerianas, Ifemelu vai para os Estados Unidos e passa por maus bocados lá. Desde a dificuldade de arrumar emprego até ter que lidar com patrões racistas. Mais tarde, ela inicia um blog sobre questões raciais. Ali é a oportunidade para Chimamanda utilizar toda sua ironia para tratar de uma América que não quer ser negra e oculta de forma velada (ou nem tanto) parte de sua população. Esse fato também se estende a outras etnias, como os chamados hispânicos, que não se enquadram no modelo WASP. Ao mesmo tempo, esse país busca uma imagem de pátria preocupada em promover a integração. Como pontuado na passagem:
"O propósito de workshops sobre diversidade ou palestras multiculturais não era inspirar nenhuma mudança real, mas fazer com que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. Elas não queriam o conteúdo de suas ideias; queriam apenas o simbolismo de sua presença. Não tinham lido seu blog, apenas ouvido falar que ela era uma 'blogueira famosa' que escrevia sobre questões raciais. Assim, ao longo das semanas seguintes, conforme Ifemelu foi dando mais palestras em empresas e escolas, começou a dizer o que eles queriam ouvir, sendo que jamais escreveria nada daquilo em seu blog, pois sabia que as pessoas que o liam não eram as mesmas que iam a workshops sobre diversidade. Durante suas palestras, Ifemelu dizia: 'Os Estados Unidos já progrediram muito e devemos nos orgulhar disso'. Em seu blog, escrevia: O racismo nunca deveria ter acontecido, então você não ganha um doce por ele ter diminuído".

O interessante desse livro é a maneira como essas críticas se estendem a outros países que condenam parte de seu povo à invisibilidade. Inclusive, o nosso.

Além dessas questões que a trama suscita (sempre com humor e ironia), a narrativa de Chimamanda é extremamente dinâmica e conta com frases como "se alguém examinasse suas mãos, talvez encontrasse o sangue de seus inimigos debaixo de suas unhas". Um livro que usa a expressão "sangue de seus inimigos" tem potencial.

Se nada disso te convenceu ainda a ler, vou deixar mais algumas informações (que tirei também do site da Companhia) aqui:
"Vencedor do National Book Critics Circle Award.
Eleito um dos 10 melhores livros do ano pela NYT Book Review.
Há mais de 6 meses nas listas de best-sellers.
Direitos para cinema comprados por Lupita Nyong’o, vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por Doze anos de escravidão".


(só queria dizer que domingo é meu aniversário e não estou recusando livros do meu Projeto de Leitura 2015)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Livro 3: um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas


Sinopse (do site da Cosac Naify):
"Em seu segundo livro, a gaúcha Angélica Freitas reúne 35 poemas marcados por uma visão crítica extremamente original, animada por um humor que deixa o leitor em suspenso entre a seriedade e o riso. Os versos precisos revelam o domínio da poeta sobre a linguagem.

Um útero é do tamanho de um punho tem a mulher como centro temático: procurando definir que figura feminina é essa que nossa cultura trate de desenhar e que se desconstrói incessantemente, a autora questiona de um lado o mundo, de outro a própria identidade.

Angélica Freitas estabelece uma relação sutil entre os poemas, de modo que sua voz se torna mais contundente ao longo da leitura. Depois de Rilke shake (2007), a poeta mostra amadurecimento e se destaca como uma das vozes mais vigorosas da poesia brasileira contemporânea".

"Nasceu em 8 de abril de 1973, em Pelotas, Rio Grande do Sul. Estudou jornalismo em Porto Alegre, na UFRGS. Trabalhou como repórter no O Estado de S. Paulo e na revista Informática Hoje, em São Paulo. Atualmente dedica-se à tradução de poesia e ao segundo livro , com pequenos poemas de viagem pela Bolívia. Publicou em diversas revistas como Inimigo Rumor, Diário de Poesía (Argentina) e aguasfurtadas (Portugal). Integra a coletânea Cuatro poetas recientes de Brasil (Buenos Aires, 2006). Rilke shake é seu primeiro livro e está na lista dos 51 títulos que foram aprovados pela comissão do Prêmio Portugal Telecom 2008".

Minha opinião:
(A ideia original era escrever sobre Rilke shake, primeiro livro da autora, que li esse ano. Entretanto, eu gostei tanto de um útero é do tamanho de um punho, segundo livro da mesma, que decidi escrever sobre ele)

(vídeo daqui)

Eu li um útero é do tamanho de um punho no final de 2014. Li em uma tacada só. Cada poema me deixava com vontade de ler o que Angélica Freitas reservava na próxima página. Usando a ironia e o humor, a poeta versa sobre a mulher. Ou melhor, sobre as mulheres. A mulher ideal que é "diferente das mulheres". A de vermelho. A de respeito. A suja e a limpa. E tantas outras que enchem as páginas do livro.
Os poemas conseguiram de maneira simples dar voz a diversos pensamentos que eu não conseguia expressar. Por exemplo, a distinção entre mulher limpa e mulher suja, que é exatamente a separação que a sociedade faz. "Mulher de respeito" mostra em dois versos a vigilância sobre a vida íntima feminina enquanto "mulher de vermelho" (em mais versos) o faz com o modo de vestir e agir.
Meu poema favorito - que eu acho que resume a discussão presente no livro - é "A mulher é uma construção". É o que eu deixo aqui:

"a mulher é uma construção
deve ser

a mulher basicamente é pra ser
um conjunto habitacional
tudo igual
tudo rebocado
só muda a cor

particularmente sou uma mulher
de tijolos à vista
nas reuniões sociais tendo a ser
a mais mal vestida

digo que sou jornalista

(a mulher é uma construção
com buracos demais

vaza

a revista nova é o ministério
dos assuntos cloacais
perdão
não se fala em merda na revista nova)

você é mulher
e se de repente acorda binária e azul
e passa o dia ligando e desligando a luz?
(você gosta de ser brasileira?
de se chamar virginia woolf?)

a mulher é uma construção
maquiagem é camuflagem

toda mulher tem um amigo gay
como é bom ter amigos

todos os amigos têm um amigo gay
que tem uma mulher
que o chama de fred astaire

neste ponto, já é tarde
as psicólogas do café freud
se olham e sorriem

nada vai mudar -

nada nunca vai mudar -

a mulher é uma construção"

(vídeo daqui)